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Memória Biocultural: O resgate de diferentes maneiras de criar animais
05/01/2021

*Por Eduardo Antunes Dias

 

A criação animal orgânica deve ter na centralidade da ação a sustentabilidade plena do sistema agroalimentar, pois a sua lógica não deve se balizar na maximização da produção e sim na otimização dos processos. Um ponto crucial deste sistema de criação é o resgate dos saberes tradicionais de povos indígenas, de povos originários, de quilombolas e camponeses que desenvolveram a sua maneira de fazer, de criar, escorados na diversidade biológica do ambiente. Essa dinâmica coevolutiva, também denominada de axioma biocultural, parte do pressuposto de que a diversidade biológica e cultural são construções mutuamente dependentes arraigadas em contextos geográficos e históricos específicos.

 

 Porém, o processo de “modernização” da sociedade que aconteceu por meio da tecnologia, da ciência, da industrialização e da urbanização, fez com que os conhecimentos ancestrais fossem relegados a segundo plano, sendo considerados como ultrapassados, arcaicos e inúteis. A dominação da natureza pelo homem branco de origem européia acabou por padronizar os processos de produção de alimento a ponto de sobrepujar muitos saberes ancestrais que acabaram se perdendo ao longo da história da civilização humana. 

 

Na América do Sul, ainda contamos com alguns exemplos que resistiram à pressão colonial do modo de fazer, como a criação da araucana, uma espécies nativa de galinha que bota ovos azuis, a criação de preás (cuy) para a alimentação humana, a criação de alpacas e lhamas para leite e lã e do desenvolvimento de técnicas indígenas para cevar (engordar) peixes nativos e porcos-do-mato. Já o campesinato, como a pecuária familiar, estabeleceu relações socioecológicas de elevada resiliência e sustentabilidade, uma vez que seus arranjos técnico-institucionais se baseiam em um conjunto de concepções comuns aos processos naturais: a diversidade; a natureza cíclica e lenta dos processos biológicos; a flexibilidade adaptativa; a interdependência; e os vínculos associativos e de cooperação. 

 

O Brasil está entre os 10 países que apresentam um grande potencial em relação à memória biocultural por possuir uma enorme diversidade de territórios, cada um com seus centros de diversidade biológica, centros de diversidade lingüística, centros de populações tradicionais e centros de origem e de difusão agrícola e pecuária, ainda com muitos saberes a serem revelados. Este resgate do conhecimento tradicional visa substituir os insumos externos (agroquímicos), tão presentes no agronegócio, por saberes populares (processos biológicos, diversificação das espécies cultivadas/criadas, boas práticas de manejo, práticas de conservação do solo, manejo integrado no controle de espécies espontâneas, etc) que os povos originários já utilizavam desde os primórdios da sua existência. 

 

Ao priorizar as tecnologias de processos, a criação animal orgânica resgata toda essa diversidade cultural do fazer na terra (Agri-Cultura) e vai além, pois insere o componente ecológico nas práticas do campo.

 

*médico veterinário e integrante da Comissão Pecuária Orgânica do CRMV-RS.
 





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