portugues espanhol ingles
Opinião: Animais no mundo pós-pandemia
18/08/2020

Méd. Vet. Angela Escosteguy*

 

Devido ao grande impacto do coronavírus  na saúde e nas economias das  populações de todo o planeta a humanidade busca não só formas de se defender dos sintomas, como também estuda as suas causas para evitar outros surtos no futuro. Já que a Covid-19 é uma zoonose, isto é, passa dos animais para os humanos, temos uma série de interrogações relacionadas com os animais, desde como o vírus sai  dos animais silvestres ou de processos produtivos de animais domésticos,  chegando a nós, que também somos animais e transmitimos o vírus uns para os outros. O fato é que as zoonoses estão aumentando em quantidade e intensidade  e as doenças estão passando cada vez mais dos animais para os humanos e, portanto,  ações são necessárias para identificar o papel dos animais silvestres e dos animais domésticos neste contexto.

Na primeira semana de julho, as Nações Unidas (ONU) publicou o relatório “Prevenir a Próxima Pandemia - Doenças Zoonóticas e Como Quebrar a Cadeia de Transmissão” onde citam as tendências globais que sustentam a pandemia. O relatório é um esforço conjunto do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e do Instituto Internacional de Pesquisa Pecuária (ILRI) e foi elaborado por mais de 100 especialistas provenientes de universidades, instituições de pesquisa e agências da ONU. “A ciência é clara ao dizer que, se continuarmos explorando a vida selvagem e destruindo os ecossistemas, podemos esperar um fluxo constante de doenças transmitidas de animais para seres humanos nos próximos anos”, afirmou a diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Inger Andersen.

Esta crise está provocando uma grande oportunidade de examinarmos e melhorar, não só a maneira como tratamos a natureza e os animais silvestres, mas também a maneira como estamos criando os animais de produção. Os animais são importante parte dos ecossistemas no planeta, além disso, “mais de um bilhão das pessoas mais pobres do mundo contam com os animais para sua alimentação, transporte e meios de subsistência. (ONU, 2016).

O relatório aponta que as possíveis causas  da pandemia estão  associadas com a exploração da natureza, como a ocupação crescente de áreas silvestres,  a destruição dos ecossistemas, a mudança climática, o aumento do consumo de proteína animal proveniente de criações intensivas, dentre outras causas. O estudo defende abordagem que une saúde humana, animal e ambiental para evitar futuras pandemias e alerta que se não quisermos que esta situação se repita, devemos nos relacionar de forma mais cuidadosa com a natureza. “desde 1940, medidas de intensificação agrícola, como barragens, projetos de irrigação e fazendas industriais, têm sido associadas a mais de 25% de todas - e mais de 50% de doenças infecciosas zoonóticas - que surgiram em humanos.”  

 

SISTEMAS DE CRIAÇÃO

O  aumento da demanda por alimentos de origem animal estimulou a intensificação e industrialização da produção animal. Especificamente em relação aos animais de produção, o relatório explica que a passagem de microrganismos  patogênicos aos humanos está aumentando devido a maneira como os animais são criados e mantidos nos sistemas intensivos. “ Os surtos de doenças por coronavírus surgiram após a intensificação de práticas e sistemas agrícolas e mudanças drásticas na maneira como os animais são mantidos ou criados, muitas das quais foram feitas sem que sejam tomadas as devidas medidas de precaução. Por exemplo, o surgimento do vírus da bronquite infecciosa nos EUA foi associado à intensificação dos sistemas de aves após a Primeira Guerra Mundial, com base no confinamento das aves - resultando em maior estresse e contatos mais frequentes  e nas novas técnicas de criação  resultando em menor variação genética e resistência a doenças.” O mesmo foi apontado no relatório como tendo acontecido com enfermidades de suínos nos sistemas intensivos pós- Segunda Guerra Mundial.

 

SUSTENTABILIDADE NAS CRIAÇÕES  

Toda produção de alimento tem impacto ambiental e quanto mais intensificada pior. É fundamental adotarmos formas de produção sustentáveis, gerando alimentos e renda.  Esta pandemia, e a  possibilidade que outras poderão vir, aumentou drasticamente a necessidade de avaliarmos criteriosamente os sistemas de criação dos animais, o que inclui principalmente o estudo do seus impactos no ambiente e no bem-estar dos animais. Alias, antes mesmo desta crise,  o conceito de sustentabilidade nas criações animais já vinha evoluindo. Durante muito tempo sustentável significava ser capaz de utilizar os recursos e os bens da natureza sem comprometer a disponibilidade desses elementos para as gerações futuras. Atualmente para ser considerado sustentável o modelo adotado deve considerar o impacto não somente no ambiente, mas também nos animais e nas pessoas. “Um  modelo sustentável deve suprir as necessidades dos animais proporcionando o bem-estar,  permitir a coexistência com a diversidade de organismos nativos,  minimizar a pegada de carbono e proporcionar qualidade de vida justa para as pessoas que ali trabalham” (conceito proposto por Broom, 2008).

Nesta definição se enquadram os sistemas orgânicos e de base agroecológica, onde os animais são mantidos soltos mas controlados, convivendo em harmonia com a flora e fauna nativa e fertilizando o solo, como sempre ocorreu na natureza. Os herbívoros são especialmente importantes para a manutenção dos biomas pastoris, como o Pampa, por exemplo, mantendo assim os serviços ecossistêmicos essenciais das pastagens tais como captura e estocagem de águas, recarga dos aquíferos, captura e estocagem de carbono e polinização.

Se quisermos sonhar com um futuro mais saudável e harmonioso  para humanos,  animais e a natureza, teremos que evoluir para  sistemas sustentáveis de criação animal. Já temos muitos exemplos aqui no Brasil e em vários países comprovando a viabilidade técnica e econômica dos sistemas de base agroecológica e orgânica que promovem cuidado ambiental, bem estar animal, gerando alimentos honestos, trabalho e vida justa  para as pessoas envolvidas.

 

Angela Escosteguy

Coordenadora da Comissão de Pecuária Orgânica do CRMV-RS

Presidente do Instituto do Bem-Estar – IBEM - www.ibem.bio.br

 Contato: angelaibembrasil@gmail.com